Jabuti Xereta
História de Fantasma
Eu tinha uma prima que morreu aos seis anos, em 1992. Seu nome era Camila.
Quando eu tinha seis anos, passei a ter uma amiga imaginária. Seu nome era Camila. Não sei como surgiu, nem de onde veio o nome - eu não sabia da prima morta. Camila não gostava muito de mim: era competitiva e birrenta. Me beliscava durante o banho. Permaneceu comigo durante anos, até desaparecer.
Um dia, quando eu tinha 14 anos, eu a vi encolhida na porta do banheiro. Chorando. Vez ou outra, eu a via em meu quarto. Às vezes vigiava meu sono. Quase sempre estava atrás de mim, puxando os cabelos de minha nuca.
Foi a primeira pessoa que vi quando voltei dos mortos. Ela parecia assustada. Achei esquisito: pensei que não gostava de mim. Que preferia que eu tivesse morrido.
Uma noite, perguntei a Nanã: "o que ela está fazendo aqui?"
Nanã me disse: "ela achava que você tinha tomado o lugar dela".
Compreensível. Passei muito tempo da minha infância apegado aos meus tios, pais dela. Sei como meu tio sofreu com a ideia de me perder, quando morri daquela vez, quase tanto quanto meu próprio pai.
Nanã me disse: "por que não tenta falar com ela?"
Virei para o teto. Entrei na dimensão entre os vivos e os mortos, aquela acessível nos primeiros e últimos momentos do sono. Sentei com Camila, e conversamos.
"Não é que eu te odeie. Tenho medo de eles me esquecerem."
Não esqueceram. Sei que não. Sei que tudo que fazem, em alguma medida, retornam a ela. Pensam nela. No pouco que foi, no que poderia ter sido. No espaço vazio que deixou. No amor e na dor que não têm para onde ir.
Eu lhe disse: "Não esqueceram. Nunca esqueceriam. Você sabe disso, não sabe?"
Camila assentiu. E me contou de seus testemunhos, das sombras erradas que me cercavam, das cobras que me perseguiram. Soprava no espelho, à noite, para espantá-los. Agradeci. Faria o mesmo por ela.
Hoje, dorme, aconchegada em um espaço vazio no meu pulmão esquerdo. Dorme profunda e tranquilamente, como uma criança deve dormir.