Jabuti Xereta
Eu tenho pressa
13 de Dezembro, 2023
Faz meses que penso neste site, em como passei tanto tempo me dedicando a construi-lo, e como abandonei o projeto dias depois de publicar. Lembro que tive pressa para publicar, que é uma coisa que tem me perseguido há alguns anos: a pressa de ter o produto pronto, algo para mostrar para as outras pessoas. Foi assim com a escrita, com este site, com as duas variações da newsletter no Substack. Foi assim, por algum tempo, com o bordado. Um dia, notei que não gostava mais de fazer essas coisas, porque não conseguia me concentrar no processo. Eu queria o resultado. E por isso, eu não escrevia mais. Eu não imaginava mais. Eu não tinha mais ideias. Vivia como máquina, sem sentir o prazer de fazer, de criar algo sem ordem ou planejamento.
Admito que ter adoecido tanto nos últimos anos é uma das razões para isso. Mas existe outra, também: o medo de morrer de novo. Por isso tenho pressa. Preciso fazer todas as coisas que me vêm, preciso ter todas as coisas que tenho vontade, preciso viver todas as experiências que desejo, ou não vai dar tempo, porque eu posso morrer. E isso, ironicamente, me faz não conseguir fazer nada de fato - além de gastar dinheiro, porque tudo leva tempo. Escrever é um processo de conhecer os personagens e tecer cenários e acontecimentos. Leitura é um processo de sentir as palavras e mergulhar na narrativa. Aprender algo novo é um processo de se permitir errar, de se permitir tempo.
O manto da doença me faz viver em um futuro que não existe: um futuro onde meu corpo não será tão exausto e dolorido, um futuro onde as palavras não me escapam e eu tenho a disposição das outras pessoas. O manto do medo da morte me faz viver em um presente opressor: um em que eu não tenho capacidade para fazer as coisas que quero e por isso estou sempre frustrado, e então tento compensar de outras formas: em planejamentos perfeitos, que nunca sigo, e gastos com coisas que sim, me confortam, mas me remetem a esse futuro que não existe.
Às vezes me cobro: preciso escrever algo para a newsletter. Preciso fazer alguma coisa para o site. Mas vejo que não quero, porque não me permito tempo ou espaço. Eu escrevi, outro dia: eu preciso de espaço para estar doente. Para me sentir exausto, para detestar minha dor e estar de mau com o meu corpo, e, ao mesmo tempo, eu preciso de espaço para aprender a estar doente. Para aceitar minhas limitações e minha dor. Para entender meu corpo como é agora, e não como poderia ser, e não como eu queria que fosse.
E também: tenho pressa porque sinto que tudo está morrendo. O mundo, meu espaço, as pessoas que nunca conheci e aquelas que conheço também. Tenho pressa porque tenho medo de ser morto, de ser asujeitado de novo e de novo. Tenho pressa porque tenho medo de perder o vínculo com a realidade, de sucumbir à minha psicose. Tenho pressa porque vivi por toda a minha vida à base de adrenalina, ignorando meu cansaço, minha dor e tudo que meu corpo precisava. Tenho pressa porque há tanto que quero fazer, mas meu corpo não consegue.
Tenho pressa porque não quero sentir esse medo, esse luto, essa dor e esse cansaço. Tenho pressa porque quero fugir de mim mesmo.
Hoje acordei com tamanha exaustão que meus olhos doíam para se manter abertos. Ainda é difícil ficar em qualquer posição que não seja deitado, ou pensar em qualquer coisa com mais profundidade que minha respiração rasa. Sei que preciso sentar com todas as coisas de que fujo e olhá-las no rosto. Eu penso: não tenho tempo. Mas lembro: eu dobro o tempo. Quando deito para olhar o céu, quando durmo e sonho com o oceano espelhado.
Eu não quero mais ter pressa. E eu não quero mais ter uma conclusão triunfante no que escrevo, porque sei que o processo é mais longo do que apertar teclas.